Vi uma foto de Anna Akhmátova,
numa oferta de segunda mão
em livraria de terceira
fechando as portas também baratas
em liquidação de quarta despedida
dos leitores de páginas impressas
à tinta das antigas tipografias
condenadas aos museus,
setor dos tipos móveis de Gutemberg
que não mais importa.
(...)
Vi essa foto da russa séria
olhando debaixo da franja
diretamente para a lente da câmara
como se olhasse para o futuro
abandonado pelo deus primevo.
(...)
Este poema se lembra, tenta se lembrar
de tanta coisa que, então,
não pode aspirar a ser como
um polido cristal de Tamara de Lempicka.
(...)
Este poema pertence ao domingo
"que outrora recorda"
como se acordasse com a sonata
ao piano do sono no meio da rua:
não lhe dizem o que está fazendo ali,
que rosto tem num vidro partido
e porque sonhou que estava perdido
num museu de quinquilharias,
cercado de caixas de música
e o silêncio do fim.
Fernando Monteiro
Poeta, crítico e romancista pernambucano
"(...) toda a sua admirável trajetória poética é tão singular e erudita quanto a sua atividade de crítico e escritor. Não conheço, no Brasil, alguém que possa disputar com FERNANDO MONTEIRO um lugar na literatura de nosso tempo." Francisco Brennand
Li esse livro de Fernando Monteiro e gostei muito. Aliás, não sou chegado a ler poesia, normalmente, e sim romances, porém me atraiu que fosse um poema longo, conforme anunciavam entrevistas nos jornais com o autor, que é bem conhecido etc.
ResponderExcluirComprei (não é caro) na Livraria Cultura, e, quando comecei a leitura, não pude parar. Era um verso levando ao outro, de uma forma harmoniosa e, como eu diria?, realmente encadeado numa narrativa, eu poderia dizer quase apaixonante... Já reli duas vezes, e acho que ainda vou reler esse poema longo, quase hipnótico e estranho.