S I S T E M A P O É T I C O

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Textos selecionados dentre os autores mais interessantes do Sistema

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

El Amor duerme en el pecho del Poeta



Tú nunca entenderás lo que te quiero
porque duermes en mí y estás dormido.
Yo te oculto llorando, perseguido
por una voz de penetrante acero.

Norma que agita igual carne y lucero
traspasa ya mi pecho dolorido
y las turbias palavras han mordido
las alas de tu espíritu severo.

Grupo de gente salta en los jardines
esperando tu cuerpo y mi agonia
en caballos de luz y verdes crines.

Pero sigue durmiendo, vida mía.
Oye mi sangre rota en los violines!
Mira que nos acechan todavía!

Federico García Lorca [1898-1936]
Extraído do livro "Sonetos del Amor Oscuro", 1936.
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O Amor dorme no peito do Poeta

Tu nunca entenderás quanto te quero
porque vives em mim, adormecido.
Por vozes de aço agudo perseguido,
dentro de mim, em pranto, eu te encarcero.

Norma que agita igual carne e luzeiro
traspassa já meu peito dolorido
e as túrbidas palavras têm mordido
as asas de teu ânimo severo.

Nos jardins gente aguarda entre boninas
teu corpo e minha angústia, a toda brida
em cavalos de luz e verdes crinas.

Continua a dormir, tu, minha vida.
Ouve meu sangue roto em notas finas!
Olha que nos espreitam sem medida!


Tradução: Afonso Félix de Sousa

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Pescaria




Cesto de peixes no chão.
Cheio de peixes, o mar.
Cheiro de peixe pelo ar.
E peixes no chão.

Chora a espuma pela areia,
na maré cheia.

As mãos do mar vêm e vão,
as mãos do mar pela areia
onde os peixes estão.

As mãos do mar vêm e vão,
em vão.
Não chegarão
aos peixes do chão.

Por isso chora, na areia,
a espuma da maré cheia.

Cecília Meireles [1901-1954]

"Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno.
(…) Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade.
(…) Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano." Cecília Benevides de Carvalho Meireles

Nova Canção do Exílio



Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.

O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.

Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá
na palmeira, longe.

Onde é tudo belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(um sabiá,
na palmeira, longe.)

Ainda um grito de vida e
voltar
para onde é tudo belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.

Carlos Drummond de Andrade [1902-1987]
Poeta, contista e cronista mineiro de Itabira.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Junho



Eu sei que é Junho, o doido e gris seteiro
com seu capuz escuro e bolorento
as setas que passaram com o vento
zunindo pela noite no telheiro

Eu sei que é Junho, esse relógio lento
esse punhal de lesma, esse ponteiro,
esse morcego em volta do candeeiro
e o chumbo de um velho pensamento

Eu sei que é Junho, o barro dessas horas
o berro desses céus, ai, de anti-auroras
e essas cisternas, sombra, cinza, sul

e esses aquários fundos, cristalinos
onde vão se afogar mudos meninos
entre peixinhos de geléia azul

Alceu Valença

Corroendo



Ando a roer-me em desejo
Roer-me como unhas que não param de crescer
Como se ratos suicidas
Corro a roer
Corroer
Os farelos que inda restam de ti...


Renata Santana
Poeta e membro do grupo literário Dremelgas

[Poema publicado na antologia "Cem Poetas Sem Livros", org. por Cristiano Jerônimo]

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O guardador de rebanhos



(...)
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.

8-3-1914

Alberto Caeiro
[excerto do poema]

Tabacaria



(...)
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

15-1-1928

Álvaro de Campos
[excerto do poema]

"Para ser grande..."



Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

14-2-1933

Ricardo Reis

Lua Negra



com o beijo da serpente
mordo profundamente
a jugular da tua alma

instilo o medo da morte
no mistério do teu sangue
lá onde anseias liberdade

sou Lilith revoltosa
súcubo desejosa
dos sonhos dos filhos de Eva

Dashnavar que te suga
pelo solado dos pés
roubando-te a realidade

sou Lamia, sou jararaca
teu filho chupa minha cauda
enquanto sugo teu leite

retorno do mundo dos mortos
entoando macabro coral
junto às crianças da noite

túmulos gradeados
por baixo da lua cheia
será que me deterão?


Gerusa Leal
[extraído de "Versilêncios", 2008]

"A poetisa consegue evitar a armadilha do psicologismo, sem abrir mão do conteúdo afetivo e da forte tensão emocional que inspira a escrita poética. A sua maneira para lidar com essa tensão foi, a meu ver, praticar uma poesia metafísica que tem ao mesmo tempo um tom sinceramente lírico. Por isso, o seu lirismo tem a particularidade de não ser somente a expressão de um Eu, mas também, e sobretudo, a elucidação do enigma do Eu. Seria algo como um lirismo objetivo, uma postura pela qual a poetisa toma a sua própria consciência como objeto, e ao mesmo tempo tenta se reapropriar dela: busca impossível, pois o objeto poético último é uma flor de gelo, uma flor mineralizada, desvitalizada. O poema perfeito é a morte." Stéphane Chao

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Poema de "Boca do Inferno"



1

Que falta nesta cidade? ..................Verdade.
Que mais por sua desonra? ............Honra.
Falta mais que se lhes ponha? ........Vergonha.

O demo a viver se exponha
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.

2

Quem a pôs no socrócio? ................Negócio.
Quem causa tal perdição? ..............Ambição.
E o maior desta loucura? ................Usura.

Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe o que perdeu
Negócio, ambição, usura.


Gregório de Matos [1636-1695]

"É considerado o maior poeta barroco do Brasil e o mais importante poeta satírico da literatura em Língua Portuguesa."

Nu espelho

Foto: Nicola Bombassei

É preciso sim
resistir:
por sobre os campos
os mares

as ruas

as calçadas

procurar a nota mágica
vinda de outras flautas
outros tempos
redescobrindo o nada
vazio mortal do salto
para a liberdade

azul

ninho da esperança

verde.


Chico de Assis
Escritor pernambucano

"A poesia de Chico de Assis nos fala sobre tudo o que diz respeito à vida, particularmente sobre questões sociais e políticas, porque se o homem é de fato um animal político, Chico de Assis é o animal político por excelência. Assim, na casa por ele erguida tudo cabe e tudo floresce: o amor, a paixão, a amizade, o seu país, a sua cidade, Recife, os seus amigos e o seu povo." Jaci Bezerra

Nossa atração



Nossa atração tem força inegável
Como um elo indestrutível
De uma origem inexplicável
E de um mistério indefinível

Nossa atração é inevitável
De caráter imprescindível
Possui beleza irrefutável
E grandeza indescritível

É segredo nunca antes desvendado
Por trás de um desejo incoerente
Um testamento infundado
Mas de uma certeza eloqüente...

Paradoxo inimaginável
De contestação proibida
Possui encanto inquestionável
Que transcende o amor e a vida!


Kel Rodrigues
Fonte: http://kelzinharodrigues.blogspot.com/

Ismália



Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

Alphonsus de Guimaraens [1870-1921]

"A poesia de Alphonsus de Guimaraens é marcadamente mística. Seus sonetos apresentam uma estrutura clássica, e são profundamente religiosos e sensíveis na medida em que ele explora o sentido da morte, do amor impossível, da solidão e da inaptação ao mundo.
O tom místico imprime em sua obra um sentimento de aceitação e resignação diante da própria vida, dos sofrimentos e dores. Outra característica marcante de sua obra é a utilização da espiritualidade em relação à figura feminina que é considerada um anjo, ou um ser celestial.
Sua obra, predominantemente poética, consagrou-o como um dos principais autores simbolistas do Brasil."
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Alphonsus_de_Guimaraens)

Vi uma foto de Anna Akhmátova



Vi uma foto de Anna Akhmátova,
numa oferta de segunda mão
em livraria de terceira
fechando as portas também baratas
em liquidação de quarta despedida
dos leitores de páginas impressas
à tinta das antigas tipografias
condenadas aos museus,
setor dos tipos móveis de Gutemberg
que não mais importa.
(...)
Vi essa foto da russa séria
olhando debaixo da franja
diretamente para a lente da câmara
como se olhasse para o futuro
abandonado pelo deus primevo.
(...)
Este poema se lembra, tenta se lembrar
de tanta coisa que, então,
não pode aspirar a ser como
um polido cristal de Tamara de Lempicka.
(...)
Este poema pertence ao domingo
"que outrora recorda"
como se acordasse com a sonata
ao piano do sono no meio da rua:
não lhe dizem o que está fazendo ali,
que rosto tem num vidro partido
e porque sonhou que estava perdido
num museu de quinquilharias,
cercado de caixas de música
e o silêncio do fim.

Fernando Monteiro
Poeta, crítico e romancista pernambucano

"(...) toda a sua admirável trajetória poética é tão singular e erudita quanto a sua atividade de crítico e escritor. Não conheço, no Brasil, alguém que possa disputar com FERNANDO MONTEIRO um lugar na literatura de nosso tempo." Francisco Brennand

Língua Portuguesa



Última flor do Lácio, inculta e bela,
És a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!


Olavo Bilac [1865-1918]
"A Pátria não é a raça, não é o meio, não é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos: é o idioma criado ou herdado pelo povo."

Imagens



Tua dança

Do ventre

Imaginária

Me provoca

Sérios arrepios.


Teus seios

Tal flechas

Miram

Meus olhos

Fixos

De cristal.


Teu galopar

Da utopia

É o martelo

Alagoano

Que a baiana

Nos mandou

De Maceió.


Cristiano Jerônimo [Poeta e jornalista pernambucano]
http://cristianojeronimo.blogspot.com/

"Há na intimidade um limiar sagrado"



Há na intimidade um limiar sagrado,
encantamento e paixão não o podem transpor –
mesmo que no silêncio assustador se fundam
os lábios e o coração se rasgue de amor.

Onde a amizade nada pode nem os anos
da felicidade mais sublime e ardente,
onde a alma é livre, e se torna estranha
à vagarosa volúpia e seu langor lento.

Quem corre para o limiar é louco, e quem
o alcançar é ferido de aflição...
Agora compreendes por que já não bate
sob a tua mão em concha o meu coração.


Anna Akhmátova [1889-1966]
Poeta e tradutora Russa
[poema retirado da antologia "Só o sangue cheira a sangue", tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra, Assírio & Alvim, 2000]

Grandeza de Flor



Percebo dolorosa

e tão ridente

que sou eu

maior que a vida

e não sou nada.


Jacqueline Torres
Poeta e contista pernambucana nascida no Sertão
"A arte da palavra é a minha forma, seja certa ou imprecisa, eu escrevo." J.T.
http://jacquelinets.blogspot.com

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Versos escritos n'água



Os poucos versos que aí vão,
Em lugar de outros é que os ponho.
Tu que me lês, deixo ao teu sonho
Imaginar como serão.

Neles porás tua tristeza
Ou bem teu júbilo, e, talvez,
Lhes acharás, tu que me lês,
Alguma sombra de beleza...

Quem os ouviu não os amou.
Meus pobres versos comovidos!
Por isso fiquem esquecidos
Onde o mau vento os atirou.


Manuel Bandeira [1886-1968], em "A Cinza das Horas", 1917

"Alma minha gentil..."



Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.


Luís Vaz de Camões [c. 1524-1580]

"Maior expoente da poesia em Língua Portuguesa e um dos maiores gênios da Literatura mundial." César dos Anjos

"Abstratizar a matéria"



"Abstratizar a matéria
ou materializar o abstrato
é a forma de, toda vaidosa,
a arte posar para um retrato
que a revele, sem fantasia,
como de Deus a última cria,
neste espaço sem extensão
do Infinito, e na Eternidade,
este tempo sem duração;
e sua vaidade? vai findar
estátua submersa no mar."


Alberto da Cunha Melo [1942-2007]
Poeta, jornalista e sociólogo, de Jaboatão-PE.

O Livro e a América

Foto: César dos Anjos

(...)
Filhos de séc'lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro - esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo...
Eólo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a igualdade voou!...
(...)
Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto -
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe - que faz a palma,
É chuva - que faz o mar.

Vós, que o templo das idéias
Largo - abris às multidões,
P'ra o batismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse "rei dos ventos"
- Ginete dos pensamentos,
- Arauto da grande luz!...

Bravo! a quem salva o futuro
Fecundando a multidão!...
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goethe moribundo
Brada "Luz!" o Novo Mundo
Num brado de Briaréu...
Luz! pois, no vale e na serra...
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!...


Castro Alves [1847-1871], em "Espumas Flutuantes".

"(...) em portas até então fechadas para que, combatendo, a liberdade entrasse(...) tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens. Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar". Excerto do poema "Castro Alves do Brasil", de Pablo Neruda, poeta chileno.

"Autor mais profícuo e gênio da Poesia no Brasil." César dos Anjos

Seus Olhos

Modelo: Yulia Sindzeyeva

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Têm meiga expressão,
Mais doce que a brisa - mais doce que o nauta
De noite cantando -, mais doce que a frauta
Quebrando a solidão.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Às vezes luzindo, serenos, tranquilos,
Às vezes vulcão!

Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco,
Tão frouxo brilhar,
Que a mim me parece que o ar lhes falece,
E os olhos tão meigos, que o pranto umedece,
Me fazem chorar.

Quer sejam saudades, quer sejam desejos
Da pátria melhor;
Eu amo seus olhos que choram em causa
Um pranto sem dor.

Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia,
Com tanto pudor.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Eu amo esses olhos que falam de amores
Com tanta paixão.


Gonçalves Dias [1823-1864]

"(...)uma das mais mimosas composições líricas que tenho lido na minha vida." Alexandre Herculano

"Gonçalves Dias é o poeta nacional por excelência: ninguém lhe disputa na opulência da imaginação, no fino lavor do verso, no conhecimento da natureza brasileira e dos seus costumes selvagens" José de Alencar

"A poesia nacional cobre-se(...) de luto. Era Gonçalves Dias o seu mais prezado filho, aquele que de mais louçania a cobriu. Morreu no mar-túmulo imenso para talento. Só me resta espaço para aplaudir..." Machado de Assis

"Leve, breve, suave"



Leve, breve, suave,
Um canto de ave
Sobe no ar com que principia
O dia.
Escuto, e passou...
Parece que foi só porque escutei
Que parou.

Nunca, nunca, em nada,
Raie a madrugada,
Ou 'splenda o dia, ou doire no declive,
Tive
Prazer a durar
Mais do que o nada, a perda, antes de eu o ir
Gozar.

Fernando Pessoa [1888-1935]
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"Embora pareça complexo, o poema é bastante simples no seu significado:

Pessoa não consegue sentir e gozar as coisas de maneira simples. Não consegue ter prazer nas coisas, porque pensa logo da perda das mesmas, racionaliza-as demasiado. É esta complexidade da sua mente, do seu raciocínio que prejudica (que cala) o que é Natural. A ave calou-se (metaforicamente) por causa da intrusão do raciocínio de Pessoa.
O poema é uma metáfora sobre a oposição entre Natureza e Pensamento, entre o que é Natural e o que é Humano (pensado)."

Explicação extraída do site: O Major Reformado