S I S T E M A P O É T I C O

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Textos selecionados dentre os autores mais interessantes do Sistema

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Saudade


Há dor que mata a pessoa
Sem dó e sem piedade,
Porém não há dor que doa
Como a dor de uma saudade.

Patativa do Assaré
[Antônio Gonçalves da Silva]

terça-feira, 26 de julho de 2011

Poema de Millôr



Na história de nosso amor, um foi sempre
Uma tribo nômade, outro uma nação em seu próprio solo.
Quando trocamos de lugar, tudo tinha acabado.
O tempo passará por nós, como paisagens
Passam por trás de atores parados em suas marcas
Quando se roda um filme.
As palavras
Passarão por nossos lábios, até as lágrimas
Passarão por nossos olhos.
O tempo passará
Por cada um seu lugar.
E na geografia do resto de nossas vidas,
Quem será uma ilha e quem uma península
Ficará claro pra cada um de nós no resto de nossas vidas
Em noites de amor com outros.


Millôr Fernandes
[Do livro "KAOS", sob o pseudônimo "Poetisa"]

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Dispersão



Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).

O pobre moço das ânsias...
Tu sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.

A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho, erro –
Não me acho no que projecto.

Regresso dentro de mim
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.

Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma.

Saudosamente recordo
Uma gentil companheira
Que na minha vida inteira
Eu nunca vi... mas recordo

A sua boca doirada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde doirada.

(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que não sonhei!...)

E sinto que a minha morte –
Minha dispersão total –
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.

Vejo o meu último dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e além me sumo.

Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas...

Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas pra se dar...
Ninguém mas quis apertar...
Tristes mãos longas e lindas...

E tenho pena de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

Desceu-me n’alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em uma bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida,
Eu sigo-a, mas permaneço...

Paris 1913 - Maio



Mário de Sá-Carneiro [1890-1916]

Assombros

Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.

Fora, não se dão conta os desatentos.

Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.

Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.

Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros -
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro.

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ADMIRATIONES


Aliquando, parvi magni terrae notus
occurrunt pectoris mei sinistro latere.

Floris, nihil percipiunt oscitantes.

Inter aortam et scapulas volvunt
debilitati sensus.

Inter vertebras et costas
diversae pressiones sunt.

Familiores
iam me viserunt ruinas remiscentem.
In me aliquid immobile et brutum est
in constante admiratione.

(Traduzido para o latim por Ana Theresa Vieira)



Affonso Romano de Sant'Anna

Fim-do-começo-do-fundo

Foto: Alisdair-Miller

Deixo-me
tenho os passos apressados
meto-me para o fim do mundo
e chego ao começo de mim

Bebo-me
até esvaziar-se todo o líquido
eu sou um fim que espera a desiludida
verdade do fundo dos copos

(ó quão inútil é o fim ou o fundo
das coisas e do âmago, quando
o ser temeroso se nos impõe
seu vulto fantasmagórico).


Rogério Generoso
Poeta, membro da Diretoria da União Brasileira de Escritores UBE, criador do Movimento Cultural Invenção de Poesia, vice-presidente do Centro Cultural Vital Corrêa de Araújo.

[Poema do livro NOUMENON, lançado em 2010]