S I S T E M A P O É T I C O

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Textos selecionados dentre os autores mais interessantes do Sistema

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Poesia Visual


















Silvio Hansen

Soneto do Amor Total




Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.


Vinícius de Moraes

"Amor..."




Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade
Se tão contrário a si é o mesmo amor?

Camões

Canção do vento e da minha vida

Silvio Hansen, Poesia Visual


O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...

E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.

O vento varria as luzes,
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas...

E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos.

O vento varria os sonhos
E varria as amizades...
O vento varria as mulheres...

E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De afetos e de mulheres.

O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo!

E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.

Manuel Bandeira

[soneto]



Súbita mão de algum fantasma oculto
Entre as dobras da noite e do meu sono
Sacode-me e eu acordo, e no abandono
Da noite não enxergo gesto ou vulto.

Mas um terror antigo, que insepulto
Trago no coração, como de um trono
Desce e se afirma meu senhor e dono
Sem ordem, sem meneio e sem insulto.

E eu sinto a minha vida de repente
Presa por uma corda de inconsciente
A qualquer mão noturna que me guia.

Sinto que sou ninguém salvo uma sombra
De um vulto que não vejo e que me assombra,
E em nada existo como a treva fria.


Fernando Pessoa

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Poeminha



Se queres
Te aproximar de mim
Primeiro
Procura me entender

Mas não
Me queiras mal
Se eu
Não me deixar entender

Pra me entenderes
Precisas entrar no meu EU

E se nem mesmo
Eu me entendo
Vai ter que haver
Muito boa vontade
Da tua parte
Se realmente quiseres
Te aproximar de mim

Também não sei
Se quero que se aproximem
Do meu EU

Talvez tenha medo
Que me descubram
Que me avessem
Que me desnudem

Acho melhor que desistas
Antes de tentar
Pois gostaria de ser
O que vives a imaginar

15-05-1980

Necy dos Anjos
Psicopedagoga e Professora, nascida em Recife-PE, em 1945.

sábado, 3 de abril de 2010

O desejo de sangue



Depois de um breve descanso,
já refeita da peleja em que feriu e matou,
a besta acordou,
pronta para uma nova jornada de ódio, cobiça e ranço.

Olhos injetados,
Hálito sepulcral,
Couro rachado,
Voz infernal.

Queria espalhar dores e sofrimentos.
[queria] empestar o mundo com tristezas e tormentos.
[queria] sufocar a paz, estimular atritos.
[queria] semear a intriga, colher gritos.

Queria ouvir o lamento dos exilados.
[queria ouvir] o arfar dos mutilados.
[queria ouvir] o pranto dos vencidos.
[queria ouvir] o suspiro dos foragidos.

Queria esmagar a felicidade.
[queria] festejar a maldade.
[queria] regar a terra com o sangue fresco das crianças.
[queria] salpicar o vento com o cheiro acre das matanças.

Ao léu escolheu um alvo no qual pudesse despejar sua sanha.
Um lugar no qual pudesse agir impune, sem manha.
Um povo no qual pudesse seu ódio cravar.
Um momento no qual pudesse ferir, massacrar, matar.


Alexandre Santos
[extraído do livro G'Dausbbah]

Pres. da União Brasileira de Escritores/UBE-PE; pres. do Clube de Engenharia; membro da Academia de Letras e Artes do Nordeste/ALANE.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Haicais




IV
A coruja espera
no silêncio do espanto
a noite chegar.

VII
O século gira
pela encosta da montanha
nas ondas do vento.

XI
Se deténs a noite
no arcabouço das estrelas
libertas o dia.

XXX
Densa escuridão.
Bússolas de vaga-lumes
mostram os caminhos.

XXXI
O fio do tempo
tece a noite devagar
e assim anoitece.

LIII
Sobre o corpo rosas.
De espinhos adornou a cama.
Partiram as almas.

LX
Folheia-se o livro
sozinho nas entrelinhas
decifrando vidas.

LXIV
Se pedras dormentes
sonham com a permanência,
que dirão as pétalas?

LXX
Solfejam ruídos
na consumição do tempo
inventando luas.

LXXV
Solidão do tempo.
As mãos tateiam as trevas
construindo luas.


Telma de Figueiredo Brilhante
[extraídos do livro Sendas do Oriente - Haicais]

Professora, Orientadora de Pós-Graduação e Escritora. Membro da União Brasileira de Escritores/UBE-PE, da Academia de Letras e Artes do Nordeste/ALANE, do Grupo Literário Celina de Holanda e da Sociedade dos Poetas Vivos de Olinda/SPVO.

terça-feira, 23 de março de 2010

Aconselhado



Revisado como um livro
a ser escrito
ou um rascunho
transcrito em dias

Corrigido em conselhos
agraciado pelos
meus ouvidos

Escutei e
reaprendi...
sou um aluno
da doce vida


Leo Durval
Poeta e filósofo pernambucano

terça-feira, 9 de março de 2010

Minha Primavera



Eu gosto da primavera
Porque tem muitas flores
De todos os tipos
E todas as cores

Também as borboletas
Que são carinhosas
Muito bonitas
E muito dengosas

Durante a primavera
Os pássaros cantam
E brincam nas árvores
E a todos encantam

O mar ainda está frio
Começando a aquecer
O vento vem soprando
À noite e ao amanhecer

Escrevi sobre a primavera
Minha estação preferida
Nesta época eu nasci
E comecei minha vida

Nataly Caetano de Sá
[11 anos - Minha sobrinha]

segunda-feira, 8 de março de 2010

Alma de Mulher

Arte: Michael Garmash


Dos anjos as asas
Nos vôos poéticos
Dos versos que ensina
A compor sua graça.

Missiva dos sonhos
Perfume dos lírios
Coração para amar
Despertas qual sino
Sentimentos para cantar.

Molduras o amor
Na liberdade dos ventos.
Sua face de flores
É ternura que desperta amores.

Tens das abelhas
O tecer da doçura
Teu sorriso é laço
Adereço que enfeitiça.

Cântaro de águas refrescantes
Hidratas as outras almas
Dos ressequidos desencantos.

Pérola refugiada
No seio amante
É tu, alma de mulher,
Fulgor das cores
No matiz brilhante.


Jair Martins
Poeta e Tesoureira da UBE-PE

domingo, 7 de março de 2010

08 de março - Dia Internacional da Mulher

Minha homenagem às mulheres está descrita na forma de crônica, publicada no Blog César dos Anjos, com link a seguir:

http://cesardosanjos.blogspot.com/

Ou clique no título da crônica: O MISTÉRIO.
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quinta-feira, 4 de março de 2010

Louvor ao Estudo




Estuda o elementar: para aqueles
cuja hora chegou
não é nunca demasiado tarde.
Estuda o abc. Não basta, mas
Estuda. Não te canses.

Começa. Tens de saber tudo.
Estás chamado a ser um dirigente.
Freqüente a escola, desamparado!
Persegue o saber, morto de frio!

Empunha o livro, faminto! É uma arma!
Estás chamado á ser um dirigente.
Não temas perguntar, companheiro!
Não te deixes convencer!
Compreende tudo por ti mesmo.

O que não sabes por ti, não o sabes.
Confere a conta. Tens de pagá-la.
Aponta com teu dedo a cada coisa
e pergunta: "Que é isto? e como é?"
Estás chamado a ser um dirigente.

Bertolt Brecht

Eugen Berthold Friedrich Brecht: Poeta, dramaturgo e encenador alemão nascido em Augsburg, em 1898 e falecido em Berlim, em 1956.

O que é (Was es ist)



É absurdo
diz a razão
É o que é
diz o amor

É infelicidade
diz o cálculo
Nada além de dor
diz o medo
É vago
diz o juízo
É o que é
diz o amor

É ridículo
diz o orgulho
É leviano
diz a prudência
É impossível
diz a experiência
É o que é
diz o amor

Erich Fried [Viena, 1921 - Baden-Baden, 1988]

Poeta, tradutor, ensaísta, judeu e austríaco.

terça-feira, 2 de março de 2010

As Pombas




Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...


Raimundo da Mota de Azevedo Correia [1859-1911]

Juiz e Poeta brasileiro, nascido em São Luís, Maranhão, e falecido em Paris. Fundador da cadeira nº 5 da Academia Brasileira de Letras.

A Uma Ausência



Sinto-me sem sentir todo abrasado
No rigoroso fogo, que me alenta,
O mal, que me consome, me sustenta,
O bem, que me entretém, me dá cuidado:

Ando sem me mover, falo calado,
O que mais perto vejo, se me ausenta,
E o que estou sem ver, mais me atormenta,
Alegro-me de ver-me atormentado:

Choro no mesmo ponto em que me rio,
No mor risco me anima a confiança,
Do que menos espero estou mais certo;

Mas se de confiado desconfio,
É porque entre os receios da mudança
Ando perdido em mim, como deserto.


Pe. António Vieira [1608-1697]
Religioso, escritor e orador português, nascido em Lisboa e falecido na Bahia.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

A um poeta



Tu que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...

Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! são canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!

Antero de Quental [1842-1891]

Escritor português da Geração de 70.

Soneto



Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!

Álvares de Azevedo

Este inferno de amar



Este inferno de amar - como eu amo!
Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida - e que a vida destrói -
Como é que se veio a atear,
Quando - ai quando se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez... - foi um sonho -
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim! despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei...


Almeida Garrett [Porto, 1799 - Lisboa, 1854]

João Batista da Silva Leitão de Almeida, visconde de Almeida Garrett, poeta e dramaturgo português.

Soul Parsifal


Arte: Parsifal vor der Gralsburg, Hans Werner Schmidt

Ninguém vai me dizer o que sentir
Meu coração está desperto
É sereno nosso amor
E santo este lugar.

Dos tempos de tristeza
Tive o tanto que era bom
Eu tive o teu veneno
E o sopro leve do luar.

Porque foi calma a tempestade
Tua lembrança: a estrela a me guiar.
Da alfazema fiz um bordado
Vem, meu amor, é hora de acordar!

Tenho anis, tenho hortelã
Tenho um cesto de flores
Eu tenho um jardim
E uma canção.
Vivo feliz, tenho amor
Eu tenho um desejo
E um coração.
Tenho coragem
E sei quem eu sou
Eu tenho um segredo
E uma oração.

Vê que a minha força é quase santa
Como foi santo o meu penar
Pecado é provocar desejo
E depois renunciar.

Estive cansado,
Meu orgulho me deixou cansado,
Meu egoísmo me deixou cansado,
Minha vaidade me deixou cansado.

Não falo pelos outros
Só falo por mim
Ninguém vai me dizer
O que sentir.

Tenho jasmim,
Tenho hortelã,
Eu tenho um anjo
Eu tenho uma irmã.
Com a saudade teci uma prece
Preparei erva-cidreira
No café da manhã.

Ninguém vai me dizer
O que sentir
E eu vou cantar
Uma canção pra mim.

Renato Russo [1960-1996]

A Minha Irmã



Depois que a dor, depois que a desventura
Caiu sobre o meu peito angustiado,
Sempre te vi, solícita ao meu lado,
Cheia de amor e cheia de ternura.

É que em teu coração ainda perdura,
Entre doces lembranças conservado,
Aquele afeto simples e sagrado
De nossa infância, ó meiga criatura.

Por isso aqui minh'alma te abençoa:
Tu foste a voz compadecida e boa
Que no meu desalento me susteve.

Por isso eu te amo, e, na miséria minha,
Suplico aos céus que a mão de Deus te leve
E te faça feliz, minha irmãzinha...

1913

Manuel Bandeira

Infância



Com mote de Maximiano Campos


Sem lei nem Rei, me vi arremessado
bem menino, a um Planalto pedregoso.
Cambaleando, cego, ao sol do Acaso,
vi o mundo rugir, Tigre maldoso.

O cantar do Sertão, Rifle apontado
vinha malhar seu Corpo furioso.
Era o Canto, demente, sufocado,
rugido nos Caminhos sem repouso.

E veio o Sonho; e foi despedaçado!
E veio o Sangue, o Marco iluminado,
a luta extraviada e a minha Grei!

Tudo apontava o Sol! Fiquei embaixo,
na Cadeia em que existe e em que me acho,
a sonhar e a cantar, sem lei nem Rei!

Ariano Suassuna

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Flores do Mal

Julieta, Juliana e Natasha, Paraty - RJ.


V
As réprobas

Como um gado pensando e nas areias deitadas,
Voltam os olhos seus ao mais longe do mar,
E seus próximos pés e suas mãos coladas
Têm langor de sorrir e tremor de chorar.

Umas, o coração cheio de confidência,
Num bosque em que a cantar os ribeiros se movem,
Vão soletrando o Amor da ingênua adolescência,
O ramo a descascar de algum arbusto jovem;

Outras são como irmãs, andam lentas e flavas,
Das rochas através, plenas de aparições,
Onde viu Santo Antão arderem como lavas
Os rubros seios nus de suas tentações;

Outras há que ao fulgor da líquida resina,
No silêncio abissal de velho antro pagão,
Chamam para aliviar a febre que alucina
Baco, o deus que adormece o remorso e a ilusão!

E outras cuja garganta ama os escapulários,
Sabem em sua roupa um chicote esconder,
E misturam na noite, em bosques solitários,
As lágrimas da dor e a espuma do prazer.

Ó monstros do martírio, ó sombras virginais!
Almas a desprezar a pobre realidade,
Com sexo e devoção, o infinito buscais,
Estrangulada a voz de lamento e saudade,

Que na cripta infernal tanto buscou minha alma,
Pobres irmãs a um tempo eu vos amo e respeito
Por vossa sede em vão e por vossa dor calma,
E estas urnas de amor que vos enchem o peito.


Charles Baudelaire [1821-1867]

Poema do livro As Flores do Mal (Les Fleurs du Mal), lançado originalmente em 1857, em Paris. Seis poemas originais do livro foram alterados, devido à intervenção do poder público, que o acusou de "ultrajar a moral pública", multando-o em 300 francos.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

[soneto]



Busque Amor novas artes, novo engenho
para matar-te, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças
que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperança me mantenho!
vede que perigosas seguranças:
que não temo contrastes nem mudanças
andando em bravo mar perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê,

que dias há que na alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde
vem não sei como e dói não sei porquê.

Luís Vaz de Camões

Cartas de amor



Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de
amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos

Confronto



Bateu Amor à porta da Loucura.
"Deixa-me entrar - pediu - sou teu irmão.
Só tu me limparás da lama escura
a que me conduziu minha paixão."

A Loucura desdenha recebê-lo,
sabendo quanto Amor vive de engano,
mas estarrece de surpresa ao vê-lo,
de humano que era, assim tão inumano.

E exclama: "Entra correndo, o pouso é teu.
Mais que ninguém mereces habitar
minha casa infernal, feita de breu,

enquanto me retiro, sem destino,
pois não sei de mais triste desatino
que este mal sem perdão, o mal de amar."

Carlos Drummond de Andrade [1902-1987]

A Estrela



Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.

Manuel Bandeira [1886-1968]

"Coração, já repousavas..."



Coração, já repousavas,
já não tinhas sojeição,
já vivias, já folgavas;
Pois por que te sojugavas
outra vez, meu coração?

Sofre, pois te não sofreste
na vida, que já vivias;
sofre, pois te tu perdeste;
sofre, pois não conheceste
como t'outra vez perdias!

Sofre, pois já livre estavas
e quiseste sojeição;
sofres, pois te não lembravas
das dores de que escapavas,
sofre, sofre, coração!

Jorge de Aguiar [Séc. XV-XVI]

Pois nací nunca vi Amor



Pois nací nunca vi Amor,
e ouço del sempre falar.
Pero sei que me quer matar,
mais rogarei a mia senhor
que me mostr'aquel matador,
ou que m'ampare del melhor.

Pero nunca lh'eu fige ren
por que m'el haja de matar;
mais quer'eu mia senhor rogar,
polo gran med'en que me ten,
que me mostr'aquel matador,
ou que m'ampare del melhor.

Nunca me lh'eu ampararei,
se m'ela del non amparar;
mais quer'eu mia senhor rogar,
polo gran medo que del hei,
que mi amostr'aquel matador,
ou que mi ampare del melhor.

E pois Amor ha sobre mí
de me matar tan gran poder,
e eu non o posso veer,
rogarei mia senhor assí
que mi amostr'aquel matador,
ou que mi ampare del melhor.


Nuno Fernandes Torneol [século XIII]
Trovador Lusitano e Cavaleiro na corte do rei Afonso X de Leão e Castela.

[Cantiga de amor composta em Português Arcaico, ou Galaico-português]

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Antologia Poética



Do eterno mistério

"Um outro mundo existe... uma outra vida..."
Mas de que serve ires para lá?
Bem como aqui, tu'alma atônita e perdida
Nada compreenderá...

* * * * * * * * * *
A oferenda

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos...
Trago-te estas mãos vazias
Que vão tomando a forma do teu seio.

* * * * * * * * * *
Hai-kai

Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?

* * * * * * * * * *
Outro princípio de incêndio

...a tua cabeleira feita de chamas negras...

* * * * * * * * * *
Sempre

Jamais se saberá com que meticuloso cuidado
Veio o Todo e apagou o vestígio de Tudo
E
Quando nem mais suspiros havia
Ele surgiu de um salto
Vendendo súbitos espanadores de todas as cores!

* * * * * * * * * *
Tristeza de escrever

Cada palavra é uma borboleta morta espetada na página:
Por isso a palavra escrita é sempre triste...

* * * * * * * * * *
Carreto

Amar é mudar a alma de casa.

* * * * * * * * * *
Elegia

Minha vida é uma colcha de retalhos,
todos da mesma cor...

* * * * * * * * * *
Do belo

Nada, no mundo, é, por si mesmo, feio.
Inda a mais vil mulher, inda o mais triste poema,
Palpita neles o divino anseio
Da beleza suprema...

* * * * * * * * * *
Para escreveres num cartão postal

Ó céus de Porto Alegre,
Como farei para levar-vos para o Céu?!

* * * * * * * * * *
Envelhecer

Antes, todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.


Mario Quintana [1906-1994]
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"Só atrapalha a criatividade. O camarada lá vive sob pressões para dar voto, discurso para celebridades. É pena que a casa fundada por Machado de Assis esteja hoje tão politizada. Só dá ministro." M.Q.

"Se Mario Quintana estivesse na ABL, não mudaria sua vida ou sua obra. Mas não estando lá, é um prejuízo para a própria Academia." Luís Fernando Veríssimo

"Não ter sido um dos imortais da Academia Brasileira de Letras é algo que até mesmo revolta a maioria dos fãs do grande escritor. A meu ver, títulos são apenas títulos, e acredito que o maior de todos os reconhecimentos ele recebeu: o carinho e o amor do povo brasileiro por sua poesia e pelo grande poeta e ser humano que ele foi..." Cícero Sandroni

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Nuvem Passageira



Eu sou nuvem passageira
Que com o vento se vai
Eu sou como um cristal bonito
Que se quebra quando cai

Não adianta escrever meu nome numa pedra
Pois esta pedra em pó vai se transformar
Você não vê que a vida corre contra o tempo
Sou um castelo de areia na beira do mar

Eu sou nuvem passageira
Que com o vento se vai
Eu sou como um cristal bonito
Que se quebra quando cai

A lua cheia convida para um longo beijo
Mas o relógio te cobra o dia de amanhã
Estou sozinho, perdido e louco no meu leito
E a namorada analisada por sobre o divã

Eu sou nuvem passageira
Que com o vento se vai
Eu sou como um cristal bonito
Que se quebra quando cai

Por isso agora o que eu quero é dançar na chuva
Não quero nem saber de me fazer, vou me matar
Eu vou deixar em ti a vida e a minha energia
Sou um castelo de areia na beira do mar

Eu sou nuvem passageira
Que com o vento se vai
Eu sou como um cristal bonito
Que se quebra quando cai


Hermes de Aquino
Publicitário, poeta, compositor, músico e cantor gaúcho, nascido em Rio Grande em 1949.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Eu Sou a videira

Arte: Del Parson



Eu Sou a videira verdadeira
e meu Pai é o lavrador.

Todo o ramo em mim
que não dá fruto, a tira
e poda todo aquele
que não dá fruto,
para que dê mais fruto.

Vós já estais podados
pela palavra que vos tenho falado.

Estai em mim e eu em vós;
como o ramo de si mesmo
não pode dar fruto,
se não estiver na videira,
assim também vós
se não estiverdes em mim.

Eu Sou a videira,
vós os ramos:
quem está em mim
e eu nele
esse dá muito fruto,
porque sem mim
nada podeis fazer.
(...)
Se vós estiverdes em mim
e as minhas palavras
estiverem em vós,
pedireis tudo o que quiserdes
e vos será feito.
(...)
Tenho vos dito isto
para que o meu regozijo
permaneça em vós
e a vossa alegria seja completa.

O meu mandamento é este:
que vos ameis uns aos outros,
assim como eu vos amei.

Ninguém tem maior
amor do que este:
de dar alguém a sua vida
pelos seus amigos.


Jesus, O Cristo [6 abril 01 a.C. - 33 a.D.]
Excertos do cap. 15 do livro de João, no Novo Testamento.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Do Trabalho

Arte: Ian Hornak

Vós trabalhais para manter o equilíbrio
com a terra e a alma da terra.
(...)
Quando trabalhais, sois uma flauta,
cujo coração o sopro das horas
transforma em música.
(...)
Sempre vos disseram que o trabalho
é uma maldição e a labuta uma infelicidade.

Mas eu vos digo que, quando trabalhais,
cumpris uma parte do sonho mais profundo
da terra, que vos foi designada
quando o sonho nasceu.
(...)
Amar a vida através do trabalho é
manter-se íntimo do maior segredo da vida.
(...)
Também vos disseram que a vida é escuridão,
e em vosso cansaço repetis o que foi dito
pelos que estão cansados.

E eu digo que a vida, realmente,
é escuridão, a não ser que haja necessidade,

E toda a necessidade é cega,
a não ser que haja conhecimento,

E todo o conhecimento é vão,
a não ser que haja trabalho,

E todo o trabalho é vazio,
a não ser que haja amor(...)

E o que é trabalhar com amor?

É tecer o pano com fios tirados
do vosso coração, como se vosso
bem-amado fosse usar aquele pano.

É construir uma casa com afeição,
como se vosso bem-amado
fosse viver naquela casa.

É impregnar todas as coisas
que gostais com o hálito
dos vossos próprios espíritos(...)

O trabalho é tornar o amor visível.


Khalil Gibran [1883-1931]
Excerto da obra-prima "O PROFETA", publicada originalmente em 1923.